2 de fevereiro de 2013

Judiaria - O estranho caso da rua das esteiras




“O desalento da pobre era sem limites. Debulhado em lágrimas, o magoado coração não podia mais.
Ao desamor sobreviera o desprezo do homem que nessa noite lhe dera uma ceia de maus tratos, enxovalhando-a com ápodos e injúrias, moendo-a de pancada, fazendo em cacos a louça humilde, abalando porta fora entre pragas raivosas, nem que estivesse possesso ou endemoninhado, mais sanhudo que boi bravo. Que diferença! Quem os vira nos primeiros tempos de casados!
(…) Soluçava alto, carpindo as graças esmaecidas, os pobres olhos baços, quando a comadre Brites mostrou o narigão nas escadas e a forçou a desabafar suas tristes mágoas. (…) e a comadre segredou que para mal dos amores ainda não havia como as rezas da bruxa, da benzedura que ela bem sabia obrar coisas do arco da velha, ali á porta da Judiaria. (…) Ao cair da noite, a mal-casada aventurou-se. (…) a pobre Inês e a comadre Brites, chegaram por fim à judiaria, ou monte dos judeus, que ficava para lá de S. João do Alporão, arrimadas as casas à muralha fronteira às ameias do castelo, cerca do local onde hoje se levanta ainda uma esbelta guarita do tempo dos moiros. (…) e a curandeira (…)  logo lhe disse que não tendo trato com satanás a coisa era mais custosa (…) mas só podia obrar (…) se lhe trouxesse ali, inteirinha, nada menos que a hóstia santa, a hóstia divina, logo depois de consagrada.
(…) Ao peregrino (…) mal voltava a ter consciência do que o rodeava quando certa manhã, notou grande alvoroço lá no hospício. Vociferações contra os judeus, - marranos! Perros excomungados! – saiam da boca dos que, vindos de fora, ali entravam, clamando contra a raça odiada, invocando as ordenações, pedindo o cutelo e a forca. Que chantassem na cadeia, o mulherio desassisado e queimassem as bruxas malvadas, que só a fogueira teriam emenda!
- voto a Deus irmão! Exclamava o palmeiro para um dos frades. Que outro maleficio fizeram esses carrascos de Nosso Senhor?
(…) enquanto o borborinho se ia adensando na portaria e os clamores eram cada vez mais desabridos, o irmão disse-lhe muito simplesmente que era o caso da infeliz da rua das Esteiras… (…) Meneando a cabeça encanecida, o romeiro ia meditando. E não se pôde conter que não dispensa a um dos frades, à despedida.
- Deixou-me o Senhor voltar para que na minha terra me desse esta lição
- Qual lição amigo?
- Que Deus está em toda a parte e por nós derramará sempre o sangue do seu coração” ( Arruda, Virgilio, “Santarém no tempo”, Braga 1997, sociedade Gráfica SA)

    
 

 


    Onde está Deus?
Deus está em toda a parte e por nós derramará sempre o sangue do seu coração.

"Nós encontramos Deus em toda a parte e em qualquer momento da nossa vida, não importa o local onde nos encontremos nem como nos sentimos. Ele está presente em nós
A atitude de Inês não foi correta, mas devemos saber perdoar e com ela aprendemos uma lição, Deus está sempre presente e pronto a derramar o seu sangue por nós.
Apesar de não ter sido a melhor atitude que a Inês tomou, assim como a da "Bruxa", não as devemos condenar, porque todos erramos e nem sempre seguimos pelo caminho correto ou de Deus. Devemos perdoar e pedir perdão pelas nossas falhas. Inês pelo seu desespero acabou por pecar, no entanto o perdão nestes casos é importante existir. Não devemos nunca nós humanos e humildes pecadores, condenar a sua atitude e não perdoar, como Jesus nos ensina. Ele chora e derrama o seu sangue por nós, então também nós devemos chorar, ajudar e amar os outros como ele nos ama"
Partilha do 6º volume







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