7 de outubro de 2013

Santa Iria, a mais amada


O padrão original, foi mandado erigir por D. Dinis, no local onde repousava Iria, com altura suficiente para que o rio, na sua maior enchente, não o pudesse cobrir. Em 1644 foi refeito em cantaria lavrada, sendo-lhe colocada em cima a imagem da Santa Padroeira.

Lenda de Sta. Iria
No ano de 637, o mês de Agosto fora excecional quente. Num fim de tarde, os rubores do sol pareciam tingir de sangue a água do rio Tejo. A serene e formosa enseada do Pego aparecia como um luminoso lago sanguíneo.
Vindo das bandas de Nabância, (atual Tomar), um romeiro ajoelhou-se à beira do rio, em frente ao lugar onde, sete anos atrás, fora achado um maravilhoso túmulo de alabastro róseo, boiando qual baú de cortiça. Nesse túmulo, parecendo adormecida, a doce Iria aguardava a chegada de seu tio, o santo abade Célio. O bondoso Célio aproximava - se acompanhado de uma multidão de cristãos. Em sonhos, ele tivera a revelação de todo o martírio de Iria, a mais amada das virgens.
Nesse sonho, ele vira Iria a donzela, bordando nos claustros do mosteiro das Donas de Nabância. Ajoelhado junto de Iria, estava o jovem Britaldo que, muito apaixonado, implorava a Iria que o aceitasse por esposo. Apressou-se a bela Iria a explicar que era impossível, pois fizera voto de castidade. Entregara a Cristo a sua vida. Triste, triste de morrer, Britaldo regressou ao seu castelo. Logo, adoeceu gravemente.
Na vida monástica, Iria rezava e trabalhava. Por inspiração de Deus pede à sua abadessa e vai falar ao moribundo Britaldo. Com doçura e firmeza convence-o de sua razão e diz-lhe que tenha fé. Britaldo confia em Iria e retoma as suas atividades como castelão nabantino.
Ao ver esta cena, em sonhos, o abade Célio louvou a Deus. Porém, a revelação seguinte foi muito cruel para o seu coração de homem santo. Ele assistiu ao assédio despudorado que o monge Remígio, professor de lria, faz à donzela. Ela recusa-o energicamente. O malvado Remígio, com suas malas-artes de alquimia, prepara um pó que mistura na comida da sua aluna.
Então, o ventre da jovem cresceu como se estivesse grávida. Muitos a acusam. Ela proclama a sua inocência. Mas a calúnia chega aos ouvidos de Britaldo. Louco de raiva, a sua paixão transformada em ódio, Britaldo ordena ao seu criado Banão que vá matar Iria. Banão crescera junto de Iria, amava-a como a uma irmã.
Iria a mais amada, Iria tão desgraçada! Sem coragem para desobedecer a seu amo, Banão dúvida da honradez de Iria. Ao alvorecer, surpreendeu-a, quando, pela margem do Nabão, ela rezava e caminhava em direção à capela da Imaculada Conceição aonde ia meditar. E tantas eram as suas preocupações, que nem sentiu os passos do malvado que de um só golpe a trespassou. Depois, tomado de remorso e de espanto quis fazer desaparecer o corpo casto de Iria, fazendo-o mergulhar nas águas do Nabão.
Tudo isto, o abade Célio contemplou no seu sonho. E mais lhe foi dado ver. Os anjos depositaram Iria num túmulo róseo e milagroso. Era de pedra mas vogava sobre as águas dos rios como se fosse o berço do lendário Ábidis. Os anjos acompanharam-na na descida dos rios até que para num pego do Tejo, em frente do lugar de Seserigo, onde se levantava um grande penedo.
Após esta revelação, o abade fez divulgar o milagre e veio de Nabância a primeira romagem a Santa Iria. Era vontade de Célio levar Iria para o seu mosteiro. Queria glorificá-la e pedir perdão pelos martírios que a virgem sofrera. Talvez, por castigo divino, ninguém conseguiu tirar a bela Iria do seu sepulcro. Apenas o abade recolheu uma madeixa de loiros cabelos e alguns pedaços do seu vestido. Reliquias que foram guardadas através dos séculos na Igreja que, em Tomar, tem por patrono Santa Iria.
Mas quem era o romeiro que se ajoelhava, sete anos após a morte de Iria, no seu lugar sagrado?
Acredita a gente simples que era o seu matador. Falam dele os "rimances" do Cancioneiro Popular Português. Almeida Garrett recolheu algumas variantes. Narrativas poéticas do povo que ama e canta os seus amores.
" Chamavam-me lria, lria afidalga.
Por aqui agora, Iria a coitada.
Andando, andando, toda a noite andava,
Lá por madrugada que me atentava...
Tirou do alfange, ali me matava;
Abriu uma cova onde me enterrava.
No fim de sete anos passa o cavaleiro,
Uma linda ermida viu naquele outeiro.
Que ermida é aquela de tanto romeiro?
É de Santa Iria, que sofreu marteiro.
-Minha Santa lria, meu amor primeiro,
Se me perdoares, serei teu romeiro
- Perdoar não te hei-de, ladrão carniceiro,
Que me degolaste que nem um cordeiro."


Curiosidade
Parece-nos interessante esta versão da Lenda de Santa Iria, pois parte da narrativa é localizada num ponto concreto da Ribeira. Lugar de evocações milenares. Nele ressoa o nome de Santa Iria ou Santa Irene. Nome tantas vezes proferido. Nome tão enraizado no coração e na fé do povo que com ele passo a denominar a própria cidade que de Scallabis passou a Chantirene, e em breve, a Santarém.


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